Contos Momentâneos | O quadro

Maykon Oliveira
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Contos Momentâneos é um projeto do blog Análises Momentâneas que visa estimular a criatividade para construção de histórias e relatos sobrenaturais ou estranhos sob a perspectiva de um determinado entrevistado ou escritor de uma narrativa. Neste texto, Gledson Oliveira (29), conta a história de um quadro que parece ser muito mais do que uma simples pintura.

-------------------- O Quadro — Por Gledson Oliveira


Ela era mesmo linda. A mulher olhava admirada a pintura da menina diante de si. Que boa aquisição! E por um preço estupidamente ridículo levando em consideração a idade centenária estimada do quadro. Adquirir bons itens em leilões sempre a deixava satisfeita. A menina, que não devia ter mais que doze anos, agora tinha destaque na sala. Havia algo hipnotizante no olhar infantil que parecia seguir o observador de qualquer angulo que se olhasse. Cabelos castanhos, rosto angelical, sentada em uma cadeira com um vestido azul pomposo e olhos negros, que encaravam de volta a mulher que sorria, maravilhada.


No começo, a mudança não foi tão drástica. Uma leve divergência na pose, que anteriormente retratava mãos pousadas em cruz sob o colo e que agora se encontravam largadas ao lado do corpo. Como antes de alguém se levantar. Mas a mulher notou. Achou que estava ficando louca. Quando disse ao namorado, ele também achou a mesma coisa. Imaginando coisas. Devia ser isso.

A mudança realmente perceptível ocorreu em uma tarde, ao levantar os olhos do livro que estava lendo no sofá, quando viu apenas a cadeira luxuosa vazia no centro do quadro. Tirou a moldura da parede e atirou na lareira. Viu o quadro ficar negro em meio as chamas. Havia perdido dinheiro, mas não perderia sua sanidade. Não iria ficar louca!

Mas louca pareceria se alguém ouvisse o grito de socorro emitido de madrugada, quando a mulher percebeu que ali em frente a cama, na calma campina retratada que antes não possuía nenhum ser vivo, uma figura a olhava sorrindo. Sorria como se estivesse se divertindo muito sob o céu alaranjado do entardecer, como se tivesse sido pintada para estar ali desde sempre.

A mulher correu até o lado de fora da casa e ligou para o namorado. "Vem aqui por favor", implorou. Ele veio. E quando ele viu a paisagem, tudo que viu foi apenas o por do sol tocar a grama verde. Mas ficou, e dormiu pouco depois de ouvir as balbucias de afirmação de sanidade e de certeza.

E no outro dia, a mulher estava sozinha novamente. Ou não totalmente. Ali, na parede do corredor que levava para a cozinha, a menina parecia escutar atenta a conversa dos homens de bigode no quadro que retratava uma ceia. Não teve dúvidas. Saiu de casa e só voltou uma semana depois, quando todos os quadros haviam sido removidos.

Teria paz por dois meses e meio, até que resolvesse abrir o álbum de família e se deparasse com um rosto familiar na foto tirada em um natal na casa de seus pais, segurando a mão de sua eu criança. Ou no quadro atrás do consultório do psiquiatra, quando ele perguntava se havia algum trauma de infância, que a estivesse obrigando a um confronto. Ou na clínica de reabilitação, enquanto comia uma sopa sem graça no refeitório, na foto de antigos pacientes daquele lugar.A beleza da menina não podia ser ignorada. Ela era mesmo linda.


Texto: Gledson Oliveira
Foto: Inspiração de um quadro de museu / Reprodução.

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