Contos Momentâneos é um projeto do site Análises Momentâneas que visa estimular a criatividade para construção de histórias e relatos sobrenaturais ou estranhos sob a perspectiva de um determinado entrevistado ou escritor de uma narrativa. Neste texto, o autor Carlos Eduardo, (17) narra a história de dois vizinhos que contextualizam diferentes universos. Temos detalhes de apenas um deles, um garoto bobo retratando o amor como algo puro e especial, quando na verdade, nem mesmo o seu vizinho se conhece.
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TEXTO: CARLOS EDUARDO
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Estou olhando o meu vizinho pela vigésima vez hoje. Minha janela do quarto é de frente para a janela do quarto dele, mas elas ficam nas laterais das nossas casas. Todos os dias, vejo-o através das minhas cortinas cor de creme. Às vezes sem camisa, outras vezes malhando, de vez em quando lendo algum livro da faculdade ou de fantasia, e várias vezes no notebook enquanto come alguma coisa.
Muitos me chamariam de Stalker, mas me identifico como alguém apaixonado. Neste momento, ele está falando com alguém ao telefone. Namorada? Namorado? Eu só costumo imaginar. Sei que se chama Jefferson, tem 21 anos, mora com a mãe porque ela precisa de cuidados e deve tomar seus remédios no horário certo. Quem me disse isso tudo foi minha mãe já que ela costuma conhecer a vizinhança. Ele nota minha sombra, eu apenas me escondo. É isso que eu sou. Um covarde. Faz nove meses que quero dizer a ele o quanto o amo, mas ainda acho que seja cedo demais. Além do mais, nem o conheço. Que bobo Rafael.
Abro meu notebook, observo as redes sociais à procura de uma festa esta noite. Em meu Facebook, vejo que ele confirmou presença no baile de máscaras na casa da Júlia seis quadras daqui. Fui convidado também. Deveria ir ? Acho que sim. Nosso condomínio é um lugar bonito, há várias paisagens, jardins, eu poderia convidá-lo a ir comigo enquanto eu apresento o lugar a ele. Poderíamos fazer outras coisas também, mas devo deixar isso na minha imaginação.
São 17h50 e a festa começa às 18h40. Cedo. Todas as outras festas tiveram início lá pelas 22h00 ou mais. Estou vestido e bem perfumado. Como de costume, olho pela janela e estou pronto para chamar a atenção dele, mas há algo errado. Ele está chorando, parado no centro do quarto, sem camisa e com uma marca horrível e ainda sangrando no peito. Ai meu Deus. De repente, alguém o empurra para o chão do quarto, ouço um barulho estrépito, ele geme de dor e posso ouvir! Estou tão à flor da pele que abro as cortinas para ver melhor. Merda. O cara de máscara preta me viu. Só da tempo de me abaixar antes que as janelas quebrem na minha cara. Foi uma bala? Que desgraçado, colocou silenciador. Este condomínio pode ser caro, mas peca na segurança, eu sempre percebi.
Ainda ajoelhado, me arrasto para o corredor, levanto-me e desço as escadas correndo. Tranco as portas. Não deveria ajudá-lo ? Corro para o telefone para ligar na portaria e então as luzes se apagam. Cortaram a luz. Eu estou sozinho nesse completo breu. Pego o celular e ligo a lanterna e aponto para a porta. Saio na lavanderia e depois abro a porta dos fundos. Está claro e estou fora. Não percebi o quanto estou cansado, arfando, preocupado com Jefferson e sua mãe e inclusive comigo. Corro para as portas dos fundos da casa dele, abro-a e entro na lavanderia. Casas idênticas, não imaginei. Entro na cozinha e já me agacho para não ser notado. Ouço vozes. Deles.
-O vizinho percebeu tudo, seu animal! – berra um deles.
-Por favor não machuquem ele – implora Jefferson. Está vivo!
-Cala a boca, veadinho.
Escuto um tapa cheio e Jefferson caindo no chão. Onde está sua mãe?
Levanto e caminho até as escadas. Subo dois degraus quando sou pego por trás e minha boca é tampada. Meu coração acelera e de repente sou tomado por um medo horroroso.
-Xiii – diz o cara atrás de mim.
Ele me leva até o quarto e depois me joga no chão próximo a um garoto cheio de sangue e de olhos roxos. Fico perplexo. A primeira vez perto dele provavelmente será a última. Como eu queria abraçá-lo, dizer que vai ficar tudo bem.
-O que a gente faz com eles? – pergunta um homem com cabelo curto e barba rala aparentando ter 30 anos.
-Onde ficam os cofres? – pergunta um cara ao lado do homem de meia idade, porém assim como o que me carregou até o quarto, está de máscara.
-Não tem cofre! – grita Jefferson, seguido por outro soco bem forte. Também recebo um sem motivo.
Fico zonzo. Meu corpo não aguenta um soco forte assim. Não malho, não faço esportes, sou magro e isso piora tudo. Os olhos de Jefferson se encontram com o meu e ele sorri. Parece um sorriso doentio, malévolo, como se ele fosse matar. Ele não está com medo. Eu estou.
-Vem aqui, garoto intrometido – o cara de máscara que me pegou antes me puxa pelo colarinho e pelo pescoço. – O que tem na sua casa que nos interessa?
Vou responder quando uma faca atravessa o pescoço do homem. O sangue espirra na minha cara. Caio no chão desorientado e escuto dois gritos e depois um tiro. Puta que paril. Abro os olhos e vejo Jefferson em cima do homem sem máscara. Ele está esfaqueando o homem, de novo, de novo, de novo, e gritando. É horrível. Ele olha para mim de novo, solta a faca e pede desculpa. Foi fácil assim para ele? Iríamos morrer? Gosto de pensar que ele me defendeu. Apenas isso. Conheci o cara que eu estava tão afim, e ao mesmo tempo, descubro que ele é tão sangue frio como esses homens eram. Ou mais.
Passaram-se várias semanas. Não tive estômago para sair de casa, ou cabeça para conversar com Marta, mãe de Jefferson. Mas minha mãe conversou muito. Jefferson não foi morar com a sua mãe porque ela precisava dele, e sim ao contrário. Jefferson tem um histórico de psicose, e é invadido por uma pessoa que ele mesmo não conhece. Acha que o pobre garoto, que no caso é ele, está indefeso. Daí surge o mistério: Ele afirma que quando apaga é dominado por alguém que quer protegê-lo, mas que só sabe fazer isso se for matando. Ele é perigoso, o laudo afirma. Pensei muitas vezes em visitá-lo. Ignoro essa vontade. O caso dele é tão chocante e pavoroso que esqueceram que três bandidos armados estavam na casa dele aquele dia. Estou confuso e cheio de mágoas. Percebo o quão superficial eu sou.